segunda-feira, 26 de novembro de 2012

IGREJA ELIM - MINISTRANDO NO CULTO EVANGELÍSTICO NA PRAÇA

















Cristo é mais - Ricardo Quadros Golvêa



                                  
Há quem pense que o problema de muitos evangélicos hoje seja o seu fanatismo religioso, sua devoção extravagante, sua religiosidade exacerbada. Penso que há aqui um engano, uma interpretação superficial da questão. Até porque tal devoção pode ser amor próprio disfarçado (Cl 2:23), tal religiosidade pode ser um culto ao próprio ventre (Fp 3:19), e tal fanatismo pode ser mera idolatria (Is 1:13-17).
O verdadeiro problema é justamente o oposto disto. É o seu menosprezo para com a pessoa de Cristo. É a maneira reducionista de muitos evangélicos perceberem a Cristo. É a construção de uma espiritualidade neo-pagã em que a pessoa de Cristo é secundária (onde deveria ser central), instrumentalizada em um discurso cujo centro é o consumo de bens espirituais (Mt 6:24,31-32). O problema de muitos evangélicos é não perceber o tamanho do Evangelho de Cristo, e quem de fato Cristo é.
Há, no discurso evangélico, uma presença muito clara do nome de Jesus, mas uma presença que beira à magia, já que se trata de um uso instrumental e ritualístico do nome de Jesus, e que beira à idolatria (pasmem! uma idolatria de Jesus!), pois o nome de Jesus é apresentado desvestido e desencarnado da pessoa de Jesus Cristo, de seu ensino e de seu significado teológico como redentor da humanidade (Mt 7:21).
Quando a Bíblia nos ensina a orar “em nome de Jesus Cristo” (1Co 5:4; Ef 5:20), isso não é uma fórmula mágica que carrega em si poder para realizar milagres. A expressão significa que os cristãos são representantes de Cristo na terra, e devem, portanto, falar em nome de Cristo, fazendo a oração que o próprio Cristo faria.
Jesus ficou reduzido a isso em boa parte do discurso evangélico: uma palavra mágica, um ícone, um significante cujo significado se tornou propositadamente difuso. Com isso, foi-se esquecendo do verdadeiro Jesus Cristo, o mestre a quem se deve seguir (Mt 11:28-29; Cl 2:8), dos seus ensinos de amor por palavras e atos, da sua pregação sobre o desprendimento e a humildade (Mt 6:25-34; Lc 22:26; Jo 13:1-17), de seu esvaziamento no serviço (Fl 2:5-8).
De fato, há muita extravagância religiosa entre os evangélicos, que vai das coreografias sem profundidade às expressões faciais agônicas; dos discursos inflamados sobre cura e poder à rigidez moralista das propostas de conduta cerceadoras da liberdade em nome de um pudor muito distante daquilo que a Bíblia indica (Mq 6:8; Cl 2:20-23); do dogmatismo que faz de Cristo um mero item doutrinário ao sectarismo individualista que nos faz esquecer as dimensões sócio-políticas da redenção no aqui e agora.
Cristo é mais! O que Cristo pode fazer pelos seres humanos é muito mais do que está sendo muitas vezes apresentado pelos evangélicos e aos evangélicos. Não se limita aos benefícios materiais e curas, mas a uma vida tão plena de sentido e de senso de vocação que os bens materiais e a saúde deixam de ser primordiais.
Cristo é mais! Foi-se esquecendo das dimensões mais profundas da redenção que há em Cristo. Esta redenção ficou reduzida à garantia de uma vida feliz após a morte, à esperança materialista de um céu de recompensas luxuosas (devido a interpretações literalistas dos símbolos bíblicos: Ap 2:10; 21:11), esperança que não indica nenhum desapego, mas antes ressentimento e inveja em relação aos ricos e poderosos. A redenção em Cristo já não é percebida como o resgate de uma vida diferenciada, uma vez que dotada de sentido e valor aqui e agora, na missão, no serviço, no convívio amoroso e no desfrutar da criação divina.
Cristo é mais! O individualismo da modernidade nos fez crer que o dom de Cristo se limitava ao que pode fazer por cada pessoa enquanto indivíduo, deixando de lado as dimensões sociais do evangelho, e tudo que ele significa para a nação (Sl 33:12): um futuro melhor para nossos filhos, uma cultura calcada na integridade e na justiça, no amor e na sabedoria, a construção de uma sociedade que vive de acordo com os valores do Reino de Deus (Mt 28:20). Em vez disso, vemos que as preocupações éticas e a preparação para a cidadania estão descartadas da pregação, e fora do ensino religioso nas igrejas (Is 1:10-17).
Tampouco pode ser Cristo reduzido a mero elemento do sistema doutrinário, como se minha fé incluísse, entre outras, doutrinas acerca da pessoa de Cristo e acerca de sua obra de salvação. Cristo é mais! Ele é o centro de nossa fé. É nele que cremos, em sua vida conosco, na sua presença (Mt 28:20; Jo 14:16-18) e no seu pastoreio (Sl 23:1; Jo 10:11). Ninguém deve se considerar salvo em Cristo porque subscreve à doutrina da salvação pela graça mediante a fé. Mera aceitação de doutrinas é obra meritória de cunho intelectual e ritualista (Rm 3:20,28). Somos salvos pela graça divina mediante a fé (Ef 2:8-10) na possibilidade de estarmos unidos a Cristo em sua morte e em sua ressurreição (Cl 2:12; 2Tm 2:11), uma realidade a ser vivenciada aqui e agora!
Cristo é mais! A redenção em Cristo não se limita ao perdão da culpa dos pecados, à nossa justificação pela união com Cristo em sua morte na cruz, mas se estende à esperança da glória (Ef 1:18; Cl 1:27), à santificação pela presença de Cristo em nós (Rm 6:22; Hb 12:14), que nos torna seus discípulos e imitadores (1Co 11:1; 1Ts 1:6). A fé protestante está centrada na vida do Cristo ressurreto (1Co 15:14,19; Rm 6:5). Não somos convidados a viver, em Cristo, como penitentes! Antes, a uma vida abundante (Jo 10:10)! Nossa união com Cristo nos leva a viver a sua vida, nos eleva para perto de sua própria estatura espiritual (Ef 4:13), promete nos tornar co-participantes da natureza divina (2Pe 1:4), e nos convida a viver desde já possuídos pela glória de Deus (2Co 3:18) e entusiasmados pelo Espírito Santo (Ef 5:18).
Cristo é mais! Na verdade, é muito mais do que pensamos ou podemos imaginar. Temos que esperar sermos por ele surpreendidos (Ef 3:20), como um leão que não pode ser adestrado, que é bom, mas que não é domesticado (como sugere C. S. Lewis acerca de Aslam), como um tigre que subitamente coloca suas patas dianteiras sobre nosso peito exigindo-nos a nossa atenção para seu poder e sua beleza (como sugeriu Thomas Howard em Christ the Tiger). Por mais que tentemos enlatar a Cristo, condicioná-lo, fazê-lo nos servir, qual gênio da lâmpada, ele nos escapará do controle e nos surpreenderá, porque Cristo é muito mais!
Lamento pelas multidões de cristãos que se esqueceram, que se iludiram, que se deixaram levar por pregações acerca de Cristo e em nome de Cristo que o reduziram a algo ridiculamente menor do que ele de fato é, a um simulacro, um instrumento religioso a serviço de igrejas que são também simulacros de igreja cristã, e que, por esta genuína apostasia (Lc 18:8; 2Ts 2:3), deixam de ser igreja de Cristo para serem igrejas do anticristo, pois o anticristo nada mais é que o simulacro de Cristo (Mt 24:24), uma abominável desolação!
Lamento principalmente pela perda do verdadeiro Jesus Cristo, que pode dar sentido à vida, que pode curar a nação, que pode resgatar a humanidade em direção da sua própria glória, a glória da vida do amor de Deus. Estamos trocando a Cristo por simulacros, pois, ao reduzi-lo a fórmulas mágicas, eclesiásticas ou teológicas, ele se torna menos do que ele é: a presença viva, aqui e agora, da pessoa que me convida a segui-lo, a encarnar o seu próprio Espírito, e abraçar o projeto supremo de viver, nele, a vida eterna e abundante de Deus.
  
Autor :
Ricardo Quadros Gouvêa é pastor da Igreja Presbiteriana do Bairro do Limão, em São Paulo, professor de teologia da Fathel Faculdade Theológica, da Faculdade Unida de Vitória-ES e do programa de pós-graduação em ciências da religião da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo.