Deus nos criou como seres sociais e instrui-nos a produzir uma
cultura que reflita os princípios espirituais e morais de sua Palavra. A cultura é conhecida e propagada por intermédio das crenças, hábitos,
comportamentos e valores de um povo. Como servos de Deus, vivemos em sociedade
e fazemos parte de uma cultura. Todavia temos a mente de Cristo (1 Co 2.16), e devemos exercer
influência sobre a cultura transformando-a segundo os valores do Evangelho de
Cristo. Devemos observar que a cultura, apesar de fazer parte da criação
divina, foi contaminada pela Queda de nossos primeiros pais Adão e Eva no Éden,
por essa razão, os filhos do Reino devem examinar o seu ambiente cultural com
base na Bíblia Sagrada. Há relatos de homens e mulheres piedosos que
influenciaram a cultura dos seus dias, transformando-a pela eficácia da Palavra
de Deus. É da vontade do Pai que a Igreja de Cristo influencie e transforme a
cultura que a cerca, apresentando-se como sal da terra e luz do mundo.
I. A CULTURA ANTES E APÓS A QUEDA
1. A natureza
da cultura humana. Derivada do latim, a palavra “cultura” refere-se às
produções sociais e aos costumes das sociedades humanas. A cultura de
um povo manifesta-se através de seus hábitos, comportamentos, artes, crenças e
valores. Criado por Deus, o ser humano foi por Ele dotado de extraordinária
capacidade para administrar este mundo (Gn
1.28-30). A capacidade de criar e desenvolver uma cultura, é um dom divino.
Nossa cultura pode e deve refletir o amor, a bondade e a verdade do Pai
Celeste. Todavia, por causa do pecado, a produção cultural do ser humano
acha-se comprometida pelo mal (Gn
3.5-10,17-19). Por isso, devemos submetê-la ao crivo das Sagradas
Escrituras.
2. A cultura como
beleza da criação. O Pai Eterno
impregnou-nos com a sua imagem e semelhança (Gn 1.26), tornando-nos capazes de pensar, criar e comunicar-nos
uns com os outros e com Ele próprio. Tudo o que fazemos tem um caráter social,
seja cuidando da terra, seja zelando pelos animais ou administrando nossa
família (Gn 1.28,29). Enfim, sempre
que nos pomos a servir ao próximo, obedecemos aos mandamentos de Deus através
de nosso fazer cultural (comissão cultural). Assim, glorificamos ao Senhor (Lc 6.9).
3. A Queda manchou a
cultura humana. A Bíblia afirma
que o pecado subjugou a humanidade, comprometendo toda a criação de Deus. Por
isso, a criatura geme e espera por sua redenção (Rm 8.19-23). Logo, nenhuma produção cultural é perfeita, porque
somos imperfeitos por natureza. E uma das coisas mais danosas que podemos fazer
da cultura é adorar a criatura em lugar do Criador
(Rm 1.18-25).
II. EXEMPLOS BÍBLICOS DE RELACIONAMENTO
CULTURAL
1. Daniel discerne a
cultura babilônica. O Império de
Babilônia era singular em belezas artísticas, arquitetônicas, literárias e
científicas. Indaga retoricamente o rei Nabucodonosor: “Não é esta a grande
Babilônia que eu edifiquei para a casa real?” (Dn 4.30). Nesse contexto cultural, achava-se Daniel. Dotado de uma
fé consistente e de um profundo conhecimento da lei divina, o jovem hebreu
soube como discernir os prós e os
contras da cultura babilônica. Ele examinava tudo e retinha o bem, conforme
aconselha-nos Paulo (Dn 1.4; cf.
2.48,49; 1 Ts 5.21). Quando os valores de sua fé eram desafiados, Daniel
não abandonava nem negociava com os seus princípios espirituais, morais e
éticos (Dn 1.8; 6.6-10). Através de uma postura tão firme e corajosa, fez
sobressair sua fé no Deus Único e Verdadeiro. É assim que devemos agir e
reagir, como o povo de Deus, em relação ao contexto cultural no qual estamos
inseridos.
2. Paulo, Barnabé e a
transformação cultural em Listra. Na província
romana da Galácia, havia uma cidade chamada Listra. O templo de Júpiter e de
Mercúrio ocupava o centro da cidade, cujos habitantes, de ascendência cultural
grega, acreditavam na humanização desses deuses. Segundo o poeta romano, Ovídio,
Júpiter e Mercúrio desceram, certa vez, à Terra, disfarçados de viajantes.
Recebidos por Filemon e sua esposa, Baucis, deram ao casal, como premiação pela
acolhida, a incumbência de lhes guardar o templo em Listra. Tal crença
ajuda-nos a entender melhor o capítulo 14
de Atos. A passagem narra a chegada de Paulo a Listra, onde curou um
paralítico de nascença. Diante do milagre, os habitantes de Listra foram
induzidos a pensar que os deuses achavam-se novamente entre eles. Por isso,
chamaram a Barnabé de Júpiter e a Paulo de Mercúrio. Tal fato denota a
idolatria que dominava a cultura greco-romana. Todavia, Paulo e Barnabé
trataram de corrigir o engano. Assim, contrapuseram o Evangelho de Cristo à
cultura pagã de Listra. E ali mesmo, estabeleceram uma igreja (At 14.21,22). Com Paulo e Barnabé,
aprendemos o quanto devemos levar a sério a transformação cultural da sociedade
por meio da prática da Palavra de Deus (
At 17.15-34).
III. O EVANGELHO, A IGREJA E A CULTURA
1. O Evangelho
e a cultura. Nascido judeu, Jesus foi educado na lei de Moisés,
participou das festas anuais em Jerusalém, frequentou as sinagogas e, como
ensinador, mostrou ao povo a singularidade da mensagem evangélica. Ele
participou ativamente da história e da cultura judaica (Jo 1.14; Gl 4.4). E foi entre homens comuns que o meigo nazareno
anunciou a mensagem de amor e de salvação (Mt
11.19). Tudo, dentro de um contexto cultural.
2. Igreja e cultura. A Igreja Primitiva deparou-se com várias questões de
caráter cultural. Haja vista o concílio de Jerusalém (At 15). A relação entre os cristãos judeus e gentios era delicada
e demandava muita diplomacia e tato por parte dos apóstolos, para que não
houvesse conflitos entre ambos os grupos (Rm
2.12-16; 14.5-9). A cultura jamais deve ser motivo de divisões no seio da
igreja. E uma vez que estamos inseridos num ambiente cultural, não podemos isolar-nos deste, mas
utilizá-lo para comunicar a mensagem do Evangelho.
3. O despertamento
cultural da Igreja. Assim como
Daniel, Paulo e Jesus de Nazaré, a Igreja tem o dever de propor uma
contracultura para esta sociedade. A mídia impõe sobre nós uma carga cultural
completamente oposta aos valores do Evangelho. E o que a Igreja tem feito? Não
há dúvida de que o Senhor deseja usar cada crente para levar a Palavra de Deus
a um mundo que jaz no maligno. Esta é a nossa missão. A justificação das
Escrituras para a construção da cultura começa em Gênesis. No limiar da
Criação, a terra é sem forma, vazia, escura e não desenvolvida. Então,
cumprindo uma série de etapas, Deus estabelece as características básicas da
Criação: luz e escuridão, terra e mar acima e abaixo do firmamento, e assim por
diante. Depois, todavia, Deus muda sua estratégia. Até o sexto dia, Deus fez
todo o trabalho da Criação diretamente. Mas agora cria os primeiros seres
humanos e os ordena a levar adiante de onde deixou: eles deveriam refletir sua
imagem e exercer domínio sobre toda a Criação (Gênesis 1.26). Daí em diante, o desenvolvimento da Criação seria
primeiramente social e cultural: seria o trabalho dos homens, enquanto
obedecessem os mandamentos de Deus para povoar e subjugar a terra (Gn 1.28). Algumas
vezes chamada de ‘comissão cultural’ ou ‘mandato cultural’, a ordem de Deus é a
culminação de suas obras na Criação. A cortina foi erguida no palco, e o
diretor dá às personagens a deixa inicial no drama da história. Embora tudo o
que Deus criou tenha sido considerado ‘muito bom’, a tarefa de explorar e
desenvolver os poderes e potenciais da Criação, a tarefa de construir uma
civilização, Ele atribui aos portadores de sua imagem. ‘Em sendo frutíferos
deveriam preenchê-la ainda mais; ao subjugá-la deveriam desenvolvê-la ainda
mais. A mesma ordem ainda nos diz respeito hoje. Apesar de a Queda ter
introduzido o pecado e o mal na história humana, ela não apagou o mandato
cultural. As gerações desde Adão e Eva ainda têm filhos, constroem famílias e
se espalham sobre a terra. Elas ainda criam animais e semeiam nos campos. Ainda
constroem cidades e governos. O pecado introduz um poder destrutivo na ordem da
Criação de Deus, mas não oblitera aquela ordem. Quando somos redimidos, não
somos apenas libertados das motivações pecaminosas que nos dirigem, mas também
restaurados para cumprir o propósito original, para fazer aquilo para o qual
fomos criados: edificar sociedades e criar culturas e, assim, restaurar a ordem
criada.
CONCLUSÃO
Se trabalhada de acordo com a Palavra de Deus, a cultura faz-se
bela, verdadeira e útil. Ciente dessa verdade, a Igreja de Cristo não pode
ficar impassível. Transformemos, pois, nossa cultura com a mensagem do
Evangelho, pois, como prometeu o próprio Cristo, “as portas do inferno não
prevalecerão contra [a Igreja]” (Mt
16.18). Nos primeiros seis dias da narrativa de Gênesis, Deus forma e enche
o universo físico. Deus cria o primeiro casal humano para ter domínio sobre a
terra e governá-la em seu nome. O texto deixa claro que os seres humanos não
são governantes supremos, livres para fazer tudo que desejarem. Seu domínio é
uma autoridade delegada — eles são representantes do Governador Supremo,
chamados para refletir seu cuidado santo e amoroso para com a criação. Eles têm
de ‘cultivar’ (palavra que tem o mesmo radical que ‘cultura’) a terra (Gn 2.15). O modo como expressamos a
imagem de Deus pode ser demonstrado pela nossa criatividade e maneira de
construir culturas. Este era o propósito de Deus quando criou o ser humano, e
até hoje continua sendo seu propósito para nós. O plano original de Deus não
foi cancelado pela queda. O pecado corrompeu cada aspecto da natureza humana,
mas não nos fez menos que humanos. Não somos animais irracionais. Ainda
refletimos “por espelho” (1 Co 13.12),
“obscuramente”, nossa natureza original como portadores da imagem de Deus. Gênesis
nos fala de nossa verdadeira natureza, das coisas que não podemos deixar de
fazer, do modo como Deus criou cada ser humano com um fim específico. Nosso
propósito é precisamente cumprir nossa natureza dada por Deus