Foi
em meados de 1993, para ser mais específico em 27 de agosto deste ano, que eu,
depois de quase seis anos sem pisar em uma igreja evangélica, resolvi,
novamente frequentar a Casa de Oração. No começo, tudo o que vi me remetia para
os doze primeiros anos de minha vida, de minha infância. Os louvores que
catavam ainda me faziam lembrar os hinos que ouvia e a uns seis anos não ouvia
mais. A velha Harpa Cristã era muito utilizada, seus hinos me faziam lembrar,
dos cultos de “porta fechada”, onde só os “autorizados” podiam entrar, só os “membros
em comunhão” tinham o direito de estar presente, os “desviados”, os “não
crentes”, os “disciplinados”, não tinham direito de participar. Porque? Até hoje
não entendi direito. Eu entrava com minha mãe porque ainda era criança. Não entendo
porque as pessoas eram proibidas de entrar, nunca vi nada que viria “escandalizar”
algumas destas pessoas que citei. Talvez as proibições fossem devido as “profecias”
que sempre eram “entregues” pelos “vasos de Deus” e os “pecadores” não
entenderiam. Talvez a proibição fosse para que, os que de joelhos orassem
pudessem orar com mais liberdade, com o rosto no chão como alguns irmãos
gostavam de fazer e alguém poderia estranhar. Talvez é porque o estudo bíblico
fosse se tornar mais agudo e o pastor fosse usar algumas exortações mais
severas para advertir a igreja contra o mal testemunho e as “fofocas
ministeriais” que ele ficou sabendo por “divina revelação”, e que agora
precisava ser denunciada ‘pelo poder da palavra”. Existia também um outro fator
que os “pecadores” não deveriam escutar porque poderia gerar escândalo, seriam
os assuntos ligados a usos e costumes, tão enfatizados nas “doutrinas das
igrejas” daquela época. Ao vociferar do púlpito, os pregadores sempre
enfatizavam que as “igrejas da porta larga”, eram o tema do sermão de Cristo em
Mt 7.13-14 e que devíamos “fugir” da
tentação de não “renunciar ao mundo”. Se nos aproximássemos destas “igrejas” seríamos seduzidos por suas “facilidades” para
entrar no Reino de Deus. Mas a igreja que aceitei a fé, já era bem diferente
daquela de minha primeira infância, porque se os hinos eram parecidos, usávamos
a Harpa Cristã e cantávamos os “corinhos” conhecidos de quase todos daquela
época, tais como “Vai Abalar”, “Bate Palmas pra Jesus” e “Caminhando eu vou
para Canaã”. Quanto as roupas que se podiam usar nesta igreja, havia um pouco
mais de exigência do que aquelas da igreja de minha infância. As saias das
irmãs tinham que ser bem abaixo dos joelhos, os homens não podiam usar bermudas
de jeito nenhum, os cabelos das mulheres não podiam nem sequer ver tesoura, já
os cintos só podiam ser usados pelas mulheres se não passassem de dois dedos de
largura. As calças e as sais jeans eram proibidas, se alguém ousasse usa-las
era tido por rebelde e desobediente, contudo não ficava disciplinado, era apenas
admoestado para que abandonasse tal “costume mundano”. Esta igreja era
diferente porque todos seus cultos eram de portas abertas, todos públicos,
apesar que muitas, mais muitas vezes mesmo, a pregação e o louvor era tão ruim,
que eu desejava que fossem com as portas fechadas.
Fui
“doutrinado” que “homem de Deus” não usava barba, cavanhaque, costeleta grande
e cabelo no estilo dark ou punk era coisa de “gente sem Deus”. Os anéis eram
vaidades, só a aliança era permitida, aliás, era obrigatória no dedo dos
casados, se não usassem poderiam até ser disciplinado, tirados da comunhão ou “colocados
de banco”, como diziam os irmãos mais idosos. Foi neste ambiente que dei os
primeiros passos depois de meu “período fora da igreja”. Ali com pessoas que
não tinham “olhos para as coisas do mundo”, foi que aprendi a orar, a jejuar, a
ler a bíblia de verdade, pois quando lia na infância era mais por obrigação do
que por devoção. Aprendi que homem de Deus devia ser santo não só nas roupas,
mas também no coração. Aprendi que Deus é justo e pune o pecador quando este
lhe desobedece. Aprendi que toda maldade será castigada e toda justiça será
galardoada. Aprendi que pastor é santo e pessoas de outras religiões são
candidatos ao inferno porque não criam no que eu cria.
Certo
dia, ousei ler um livro de outra denominação, depois ousei de novo ler outro livro,
agora “secular” (não escrito por crente), depois ousei ouvir um pregador de
outro ministério, fui gostando disto e semelhante ao personagem que se libertou
no “Mito da Caverna de Platão”, eu ousei buscar enxergar e perceber uma réstia
de luz que brilhava em minha escuridão religiosa. Ousei questionar os
onipotentes detentores da verdade evangélica tradicional. E sem perceber algo
dentro de mim foi mudando.
Os
cantores “certos” eram aqueles de “testemunho cristão comprovado”. Este
testemunho era percebido segundo meus líderes no seguinte, eles deveriam
aparecer nas capas dos LPs, (tem gente que nem sabe o que é isto), com “roupas
de crente”, “cabelos de crente” e tinham que gravar na “gravadora de crente”,
que por sinal era a gravadora da denominação.
Não
demorou muito para chegar as advertências: - Cuidado com a apostasia! Conheço
muita gente que começou como você e hoje está lá no mundo! Mas a maior de todas
as heresias de minha mocidade foi quando me matriculei em um “Curso de Teologia”.
A esta altura do campeonato já não estava tão preocupado com a opinião de
certas pessoas. O problema foi as retaliações. Do púlpito comecei ouvir
indiretas. Comecei ouvir pregações criticando a busca de conhecimento e a tentativa
de saber além “do meu grau de fé”.
Quando
então fui visto com minha namorada no ponto de ônibus sem a companhia de uma
pessoa casada como era recomendado, até reunião teve na igreja para tratar de
meu desvio de conduta.
Hoje
depois que cerca de vinte anos se passaram, vejo como as coisas mudaram, apesar
de ainda termos muitas denominações que pratiquem tal policiamento sobre seus
membros, temos alguns assuntos mais graves para tratar nas igrejas evangélicas.
De lá para cá muitas modas surgiram e desapareceram em nosso círculo cristão. De
rosa ungida á tapete santo. De pedaço da cruz de Cristo á água de Rio Jordão.
De sal grosso até caneta ungida. Já vi de quase tudo. Já vi pastor soprando
para outras pessoas serem cheias do Espírito Santo e vi pessoas emotivamente caírem
às dezenas após receber tal sopro divino. Já ouvi no rádio que um líder de
igreja aqui em São Paulo ia sobrevoar a cidade, por que Deus mandou ele ungir o
território por que Deus ia transformar a cidade através da unção que despedaça
o julgo.
Em
meio a tantas situações constrangedoras para o povo de Deus, tenho visto também
muita gente séria. Pessoas que durante estes vinte anos que recebi a graça de
Cristo, tem se mostrado verdadeiros servos de Deus. Homens e mulheres, jovens e
adolescentes e até algumas crianças que hoje já são adultos, cuja vida refletem
o caráter de Jesus e me impulsionam no sentido de acreditar que nem tudo está perdido.
Enquanto alguns ‘apóstolos” compram fazendas com o dinheiro dos fiéis e outro
se elegem para cargos públicos em Brasília com o voto de boa fé de sua
comunidade e nem lá ,pisam direito, outros estão vendendo o almoço para comprar
a janta, mas não deixam de amr, zelar e cuidar do rebanho que deus lhes
confiou. Pessoas que trabalham as vezes oito, dez ou até doze horas no dia e
depois vão para suas “pequenas igrejas” e pregam como o apóstolo Paulo, proclama
a verdade do Reino com o João Batista, destilam a graça de Deus para os gentios
como Pedro fez na casa de Cornélio (At 10). Como diz o escritor da carta aos Hebreus
quando afirma que de homens como estes o mundo não é digno!
Hoje não estou mais preocupado se a irmã veio de saia, coque no
cabelo, cinto de dois centímetros de largura ou se veio de calças jeans, brinco
nas orelhas ou batôn nos lábios. Minha grande preocupação hoje como pastor é
que esta pessoa, que entra pelas portas de nossa igreja, se sinta amada por
Deus, acolhida pela igreja, especial para Cristo e que ao sair tenha certeza
que não veio á um ambiente onde foi julgada, analisada ou reprovada. Meu maior
desejo é que esta pessoa durante o culto participe da nossa singela reunião e
possa ser tocada pelo Espírito, encorajada pela palavra e renovada na adoração,
para que seu amanhã seja melhor do que o seu hoje. Que amanhã ela se sinta mais
amada por Deus, pois assim ela poderá compartilhar deste amor com alguém, pois
nós só podemos dar aos outros, aquilo que de alguma forma nós já temos, porque
recebemos de alguém. Hoje percebo que nem sempre o pecador é punido ou o justo
galardoado em seguida. Percebo o quanto Deus é amoroso a ponto de dar seu filho
para nossa salvação. Percebo que em seu grande amor o justo se tornou pecado em
meu lugar, percebo que quem podia julgar e condenar perdoou e deu uma nova
chance, percebo que eu preciso refletir mais a graça e o amor daquele que se
entregou em meu lugar. Busquemos a cada dia sermos mais parecidos com Jesus.